O PARTIDO OPERÁRIO

Por Anselmo Lorenzo: Extraído da revista A Sementeira de Lisboa

Os que por meio do partido operário se propõe a alcançar a constituição do Estado
Operário, julgam que o Estado é hoje o representante, o órgão da ditadura das classes
dirigentes; concordo. Mas se amanhã em lugar dessa caterva de advogados e jornalistas
aduladores da burguesia que chegam às alturas do poder, subissem os operários mais
eminentes entre os propagandistas do partido operário; se tivéssemos um presidente
operário, ministros, deputados, governadores, administradores, etc., etc., operários, quer
dizer, o Estado operário, perderia o Estado por isso o seu caráter essencial? Deixaria de
ser o Estado uma tirania? E poderia por sua vez a tirania ser apta para fundar a liberdade
e resolver o problema social?


Não.


Por outro lado, elevados os operários deixariam de ser operários para ser magnates,
como estamos observando com todos os que se elevam, em quanto é possível a
ascensão, em quanto exista a desigualdade, se se tem em conta que se pretende elevar
operários á categoria de governantes ou mandarins, para que outros fiquem como sempre
reduzidos á humilhante classe de governados e servidores.


Nunca a ditadura, qualquer que seja o seu fim e espírito, representará o povo. Se é útil
para representar a burguesia, que é uma oligarquia com interesses próprios e
particulares em oposição com o interesse geral; se se pode encarnar em um curto
número de indivíduos, impôs uma lei conforme aos seus apetites sem respeito pelo
direito alheio e repartir entre si o saque social sob a égide de um governo, porque toda a
oligarquia vive pela ditadura, ele nunca representará o povo, quer dizer, a
universalidade dos interesses regulados pela justiça.


Se supomos que o governo se exerce por operários socialistas que querem beneficiar a
sua posição em beneficio do socialismo, pouco teremos alcançado; porque não pode
confiar-se a solução do problema e a sua aplicação á pratica de uns poucos que não
serão mais sábios que o conjunto dos seus companheiros e contra quem não haverá
garantia no caso, não já de uma traição, mas de sentir impulsionado pela reação, ainda
que só seja porque não julgassem oportuno introduzir certas reformas, por aquela razão tão repetida por todos os oportunistas modernos, para que a massa trabalhadora não
alcançasse o alto nível intelectual a que a si próprios se julgariam elevados…


…O certo é que o governo operário há de cumprir as reformas contidas no seu
programa, e isto só pode fazer-se com o emprego de meios coercivos, e se os tem e há
de lutar com encontrados interesses e oposições de género diverso, natural é que a
primeira preocupação do Estado operário seja sustentar-se como têm feito, fazem e
farão todos os governos havidos e por haver, sem pensar nos programas nem nos
compromissos anteriores, que não sejam os contraídos para consigo mesmo, cada um
dos operários elevados á governação do Estado de satisfazer a sua ambição particular.


A sociologia não é uma ciência terminada mas uma ciência que começa, cada
descoberta, cada novo progresso, cada conquista do saber sobre a ignorância pode
alargar o seu horizonte, modificar as leis da sua aplicação, e este reclama um
mecanismo que permita ao progresso social produzir-se gradualmente, com suavidade,
sem sacudidas, sem obstáculos; que permita numa palavra, á sociedade desenvolver-se
como se desenvolve o corpo humano, como brota a planta por uma assimilação
incessante e completa de todos os elementos da vida, de força e de aperfeiçoamento.


Este mecanismo não pode ser o Estado, ainda que se lhe chame operário; este
mecanismo não pode ser outro senão a livre federação de todas as agrupações
produtoras.


O Estado por sua própria natureza é a encarnação do privilégio; ele é o nosso inimigo, e
dele não podem servir-se os que para destruir todos os privilégios tem de renunciar
ainda àqueles que os poderiam beneficiar.


O Estado, segundo se tem podido ver, como um dos encarniçados inimigos das
reivindicações socialistas e anarquistas, é um ente de facto, não de razão, que á
semelhança da ideia de divindade, que em princípio tudo enchia e que se desvanece á
medida que a cultura humana mostra as causas dos fenómenos naturais, se vais
despojando de atribuições á medida que se desenvolve a atividade consciente dos
indivíduos.


Pois revoluteando ao redor desse Estado, que com o seu caráter democrático oferece o
sebo do engodo, veem os políticos, os que pretendem crer que a política é a ciência do
governo, querendo resolver tudo o que afeta a vida social por meio da politica, sob os auspícios do Estado e a cooperação da massa total dos cidadãos que têm de ficar submetidos ás sua jurisdição.


Aqui cabe recordar uma boa anedota famosa dos bons tempos da Grécia: nas
controvérsias que na praça publica sustentavam diariamente os ociosos cidadãos de
Atenas distinguiu-se um jovem pela sua eloquência e pelo seu patriotismo; tao grande
foi o seu êxito que por um momento eclipsou os retóricos, artistas e filósofos que tanto
abundavam naquele empório do saber. Um dia encontrou-se em frente com um daqueles
sábios cujo nome chegou aos nossos dias como uma gloria humana, e o venerável
ancião quis pô-lo á prova e dar-lhe uma lição em caso necessário.

  • Tenho entendido, disse-lhe, que que te dedicas com lucidez e proveito á cauda publica
    e te felicito por isso.
    O rapaz agradeceu o cumprimento com ar modesto.
  • Visto que te preocupas tanto com a gloria da pátria, concordarás comigo em que esta
    deve consistir na nossa superioridade sobre as nações vizinhas no estado económico, no
    nosso poderio militar e no das nossas relações diplomáticas.
  • Efetivamente—disse o jovem.
  • Conheces tu a estatística da nossa produção e da exportação e importação e a dos
    países com os quais temos estabelecido contratos mercantis?
  • Não estudei ainda esse assunto.
  • Então conheceras as forças que podemos pôr em pé de guerra em caso necessários, e
    número e situação das nossas fortalezas e também os das nações com as quais haveria
    possibilidades de cruzar as nossas armas?
  • Também não estudei isso.
  • De modo que saberás perfeitamente as clausulas dos nossos contratos com o
    estrangeiro e terás clara noção das circunstâncias em que se encontram os nossos
    representantes no exterior e os do exterior entre nos?
  • Não, também não sei isso.
  • Pois o melhor é que te cales e estudes até que tenhas aprendido juntamente com os
    outros conhecimentos indispensáveis para teres direito de dar lições ao povo.

Ficou o nosso jovem corrido e envergonhado e nunca mais se apresentou em publico.

Julgais que se cada político dos nossos dias fosse submetido a um interrogatório semelhante se sairia melhor do que o jovem ateniense? Não o acrediteis; mas em troca tende por certo que não aproveitaria a lição, antes pelo contrário, se lançaria com a maior desvergonha a fazer o seu negócio.

Anselmo Lorenzo

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